terça-feira, 2 de agosto de 2011

Desabafo de uma jovem mulher negra

Nesta semana em que comemoramos o dia da mulher negra latino-americana e caribenha,me deparei com reflexões sobre a minha vida.
Cresci sonhando em ser paquita da Xuxa e parecida com a Barbie, passei toda minha infância e adolescência querendo ser branca porque não me via nas novelas, nas propagandas, nas revistas, nos espaços da mídia impressa e áudio visual.
Queria alisar meu cabelo porque cabelo “bom” era cabelo liso.
Dietas?Intermináveis até contrair uma anemia profunda, mas não desisti. Não aceitava que meu corpo não poderia ser como das modelos européias. Passei por inúmeros transtornos alimentares, ia 3x por dia para a academia, mas ainda achava que poderia perder mais um pouco.
Ser mulher negra no Brasil é muito difícil.
O Brasil foi colonizado por quase 400 anos e por cerca de 300 anos escravizou africanos e africanas. Os homens eram utilizados para o trabalho na lavoura, na plantação. Já as mulheres algumas trabalhavam na lavoura, outras como “fabricas” de fazer novos escravos, eram amas de leite dos filhos dos senhores da fazenda, trabalhavam no serviço doméstico, mas principalmente para satisfazer os desejos sexuais dos senhores e dos filhos dos senhores.
Para mim, sempre foi difícil entender que meu pai branco me amava, mas a família dele me tratava diferente pela cor da minha pele.
As crianças e meninas negras “aprendem” cedo qual é o “seu lugar” na sociedade quando assistem as novelas,os homens negros podem ser motoristas,seguranças ou políticos corruptos e as mulheres,domésticas.
Sempre fui muito ligada a política,a esquerda e entrei no movimento social,no movimento estudantil secundarista ajudando na criação do grêmio da minha escola e participando ativamente da “Revolta do Buzu”.
Entrei na Universidade e inevitavelmente no movimento estudantil universitário, então comecei a perceber que não dava para dissociar a luta no movimento social com a condição de ser mulher negra. E por muitas vezes fui desrespeitada como liderança por ser mulher negra, mas o pior foi ver que a falta de respeito partiu de um homem negro.
Me tornei evangélica.
Imaginem uma mulher, negra, feminista na igreja?!
O maior desafio foi e ainda é com as mulheres evangélicas que entendem nem aceitam que eu discuta e participe da política, acham que devo aprender a cozinhar para casar e quando tiver filhos e filhas devo parar de trabalhar para me dedicar exclusivamente a tarefa de ser mãe e esposa.
Depois de quase 300 anos de escravidão, querem me acorrentar de novo?Jesus me chamou para ser livre, então comecei a falar a verdade sobre Jesus e as mulheres na igreja e por isso fui obrigada a sair de uma igreja por discordar da “doutrina” aplicada.
Muitas são as dificuldades, sei que o sistema racista e machista em que vivemos não queria que eu chegasse até aqui, não queria que me orgulhasse de ser mulher negra, não queria que eu conhecesse a minha história. A igreja não queria que soubesse que Jesus é negro, mas não vou desistir, nem posso, a minha tarefa é mudar a realidade da igreja combatendo o machismo e o racismo, é lutar por uma sociedade igual.
Aprendi com uma mulher negra que nem sabe, mas é feminista, que não devo desistir dos meus sonhos (Minha mãe).
Tarefa árdua?
Mas está só no começo...

Laina Crisóstomo